O que comer e o que não comer para quem tem uveíte!
A uveíte autoimune é uma inflamação ocular causada por desregulação do sistema imunológico, podendo comprometer seriamente a visão. Estudos mostram que a dieta exerce papel fundamental no controle da doença, principalmente por meio da modulação da microbiota intestinal.
Dietas ricas em fibras fermentáveis, cetogênicas e com restrição calórica demonstraram reduzir a inflamação ocular em modelos experimentais. Por outro lado, alimentos ultraprocessados, gorduras saturadas e açúcares refinados devem ser evitados para não agravar o quadro inflamatório.
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O que é uveíte autoimune e quais os principais sintomas?
A uveíte autoimune é uma inflamação da camada intermediária do olho, chamada úvea, que pode envolver também estruturas adjacentes como retina, nervo óptico e o vítreo. Esse tipo de uveíte não é causado por infecções, mas por uma desregulação do sistema imunológico, que ataca erroneamente tecidos saudáveis do próprio organismo.
Os sintomas mais comuns incluem dor ocular, vermelhidão, fotofobia (sensibilidade à luz), visão embaçada e manchas na visão (conhecidas como “moscas volantes”). Quando não tratada adequadamente, a uveíte pode levar à perda permanente da visão.
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Como a alimentação e a flora intestinal podem influenciar a uveíte autoimune?
O intestino é um importante regulador do sistema imunológico, e sua microbiota exerce papel essencial na manutenção da imunidade e na prevenção de doenças autoimunes. Alterações na flora intestinal (disbiose) podem gerar um estado de inflamação crônica que favorece o aparecimento ou agravamento de condições autoimunes, como a uveíte.
Estudos demonstram que dietas ricas em fibras fermentáveis aumentam a produção de ácidos graxos de cadeia curta (como o propionato), que possuem propriedades anti-inflamatórias. Esses compostos estimulam a proliferação de células T reguladoras (Tregs), que ajudam a equilibrar a resposta imunológica e a proteger os tecidos oculares da agressão autoimune.
Imagem mostrando alimentos indicados para quem tem uveíte autoimune
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Qual a dieta ideal para quem tem uveíte autoimune?
Diversos estudos recentes apontam para o potencial terapêutico de intervenções dietéticas no controle da uveíte autoimune:
A) Dieta cetogênica: mostrou-se eficaz na redução da inflamação ocular em modelos animais, promovendo a diferenciação de Tregs e inibindo células Th17 inflamatórias.
Dieta cetogênica (ou “keto”) é um tipo de alimentação rica em gorduras, moderada em proteínas e muito pobre em carboidratos. O objetivo principal é induzir o corpo a um estado chamado cetose, no qual ele passa a queimar gordura como principal fonte de energia, em vez de carboidratos.
🧬 Como funciona?
- Em dietas comuns, os carboidratos são a principal fonte de energia.
- Na cetogênica, como quase não há ingestão de carboidratos, o fígado converte gordura em corpos cetônicos, que alimentam o cérebro e os músculos.
🍽️ Distribuição típica dos macronutrientes:
- Gorduras: 70–80% das calorias
- Proteínas: 15–25%
- Carboidratos: 5–10% (geralmente abaixo de 50 g/dia)
🥑 Alimentos permitidos:
- Carnes, ovos, queijos, peixes gordurosos (salmão, sardinha)
- Abacate, azeite de oliva, óleo de coco
- Verduras e legumes com baixo teor de carboidrato (espinafre, couve, brócolis)
- Nozes e sementes
🚫 Alimentos evitados:
- Pães, massas, arroz, batata, açúcar
- Doces, refrigerantes, frutas ricas em açúcar (banana, manga, uva)
- Leguminosas como feijão, lentilha e grão-de-bico
⚠️ Possíveis efeitos colaterais iniciais (“gripe cetogênica”):
- Dor de cabeça, fraqueza, tontura, náuseas, constipação
- Isso costuma durar alguns dias enquanto o corpo se adapta
✅ Benefícios potenciais:
- Perda de peso rápida (queima de gordura)
- Controle de apetite
- Melhora de níveis de triglicerídeos e glicose
- Pode ajudar em casos de epilepsia, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica
❗ Cuidados:
- Deve ser feita com acompanhamento médico ou nutricional, especialmente em pessoas com doenças crônicas
- Pode não ser indicada para gestantes, atletas de alta performance ou pessoas com problemas hepáticos ou renais
B) Restrição calórica: uma dieta com redução de calorias, mas sem desnutrição, também foi associada à melhoria dos sintomas da uveíte, ao modular o balanço entre células T efetoras (Teff) e Tregs, reduzindo vias inflamatórias.
C) Adequada ingestão de vitamina D: baixos níveis de vitamina D estão associados à maior atividade da uveíte. A suplementação, quando indicada, pode ter efeito modulador da imunidade.
D) Dieta rica em fibras fermentáveis: alimentos como pectina (presente em frutas como maçãs e peras), inulina (encontrada em alcachofra, alho e cebola) e amido resistente (como batata cozida e resfriada) favorecem a saúde intestinal e reduzem a permeabilidade intestinal, promovendo a regulação imunológica.
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Alimentos a serem evitados para quem tem uveíte
Certos alimentos podem agravar a inflamação sistêmica e devem ser evitados por pacientes com uveíte autoimune:
- Gorduras saturadas e trans: presentes em frituras, carnes processadas, fast food e produtos industrializados, estão associadas ao aumento da inflamação sistêmica.
- Açúcares refinados: promovem picos glicêmicos e contribuem para um estado inflamatório crônico.
- Bebidas alcoólicas: interferem na integridade da mucosa intestinal e na resposta imunológica.
- Alimentos ultraprocessados: ricos em aditivos químicos, sódio e gorduras inflamatórias.
Curiosamente, um estudo mostrou que uma dieta com alto teor de sal, apesar de geralmente associada a efeitos negativos, pode aliviar a severidade da uveíte em modelos animais, ao modular positivamente a microbiota e aumentar certos microrganismos anti-inflamatórios. Ainda assim, os autores recomendam cautela e mais pesquisas antes de se sugerir qualquer aumento no consumo de sal para humanos.
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Conclusão
A uveíte autoimune é uma doença complexa, mas estudos recentes reforçam o papel importante da alimentação como parte do tratamento. Modificar a dieta para incluir alimentos que promovam a saúde intestinal e reduzam a inflamação pode ajudar a controlar os sintomas, reduzir a necessidade de medicamentos imunossupressores e melhorar a qualidade de vida.
Antes de iniciar qualquer mudança alimentar ou suplementação, é essencial que o paciente consulte um oftalmologista e um nutricionista especializado, para um acompanhamento seguro e personalizado.
Dr. Aron Guimarães é médico oftalmologista especialista pela USP/SP e com mestrado e doutorado pela UNICAMP.
Saiba mais em aronguimaraes.com.br
Leia também: Qual a melhor dieta para o paciente com ceratocone?
Perguntas sobre o tema:
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A alimentação realmente pode influenciar no controle da uveíte autoimune ou isso é apenas um mito?
Sim, diversos estudos mostram que a alimentação pode influenciar diretamente na inflamação ocular, principalmente por meio da modulação da flora intestinal e da resposta imunológica. Dietas específicas podem ajudar a reduzir a severidade da uveíte autoimune.
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Quais são os alimentos mais indicados para quem está em crise de uveíte autoimune e quer ajudar no controle com a alimentação?
Durante uma crise, o ideal é consumir alimentos ricos em fibras fermentáveis, como frutas, legumes e cereais integrais, além de manter uma boa hidratação e evitar alimentos pró-inflamatórios.
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É verdade que alimentos ricos em fibras ajudam a melhorar a saúde ocular em casos de uveíte? Por quê?
Sim. As fibras fermentáveis promovem a produção de ácidos graxos de cadeia curta pela microbiota intestinal, o que melhora a resposta imunológica e reduz a inflamação ocular.
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A uveíte tem alguma relação com problemas intestinais? Como isso pode interferir no tratamento?
Sim, há uma forte ligação entre a saúde intestinal e a imunidade. A disbiose intestinal pode agravar a uveíte, tornando o controle da dieta essencial no tratamento.
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A dieta cetogênica é recomendada para todos os pacientes com uveíte ou existem contraindicações?
Embora tenha mostrado bons resultados em estudos com animais, a dieta cetogênica deve ser usada com cautela e sob orientação profissional, pois nem todos os pacientes se beneficiam da mesma forma.
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Existe algum suplemento que pode ajudar no controle da uveíte além da alimentação equilibrada?
Sim, a vitamina D é um dos suplementos mais estudados nesse contexto. Baixos níveis de vitamina D estão associados a maior atividade inflamatória em casos de uveíte.
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O que acontece no organismo quando consumimos muitos alimentos ultraprocessados em casos de uveíte?
Esses alimentos favorecem a inflamação sistêmica, prejudicam a flora intestinal e podem agravar o quadro da uveíte, dificultando o controle da doença.
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Posso tomar bebidas alcoólicas mesmo tendo uveíte autoimune, desde que com moderação?
O ideal é evitar o álcool, pois ele compromete a integridade da mucosa intestinal e pode interferir na resposta imunológica, agravando o quadro inflamatório.
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Existe alguma evidência de que o sal em excesso pode influenciar positivamente ou negativamente na uveíte?
Um estudo experimental sugeriu que o sal em altas quantidades pode ter efeito protetor em modelos animais, mas ainda é cedo para recomendar seu aumento na dieta humana.
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Qual é o papel da microbiota intestinal na uveíte e como posso melhorar minha flora com a alimentação?
A microbiota saudável regula a imunidade. Alimentos como frutas, vegetais, fibras e probióticos ajudam a equilibrar essa flora e podem melhorar o controle da uveíte.
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Quem tem uveíte pode fazer jejum intermitente ou restrição calórica como estratégia terapêutica?
Sim, estudos mostram que a restrição calórica pode modular o sistema imunológico, reduzir a inflamação e ajudar no controle da uveíte. Mas sempre sob orientação médica.
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Existe algum tipo de carne ou proteína que deve ser evitado por quem tem uveíte autoimune?
Carnes processadas e ricas em gorduras saturadas devem ser evitadas, pois favorecem processos inflamatórios. Prefira peixes, ovos e carnes magras.
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A ingestão de alimentos industrializados pode piorar os sintomas da uveíte? Mesmo os considerados “light” ou “fit”?
Sim. Mesmo versões “light” podem conter aditivos, conservantes e ingredientes inflamatórios. A alimentação mais natural possível é sempre o ideal.
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Quem já está com tratamento medicamentoso controlado deve se preocupar em seguir uma dieta específica?
Sim. A dieta pode complementar o tratamento medicamentoso, ajudar a reduzir crises e até permitir a diminuição das doses de medicamentos, com acompanhamento médico.
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Existe uma alimentação preventiva para quem tem predisposição à uveíte ou já teve episódios anteriores?
Sim. Manter uma dieta anti-inflamatória, rica em fibras, vegetais e pobre em industrializados, pode ajudar a prevenir novas crises e manter a saúde ocular.
Referências
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