Pacientes com Diabetes Podem Operar Catarata? Quais os cuidados?
Introdução: O que é a catarata?
A catarata é uma condição ocular caracterizada pela opacificação progressiva do cristalino, lente natural dos olhos responsável por focar a luz na retina. Com o passar do tempo, essa lente perde sua transparência, prejudicando a visão. Embora o envelhecimento seja a principal causa, diversas outras condições podem antecipar o surgimento da catarata — entre elas, o diabetes mellitus.
Com o aumento expressivo de pacientes diabéticos em todo o mundo, cresce também a incidência de catarata em pessoas com essa doença. Isso levanta uma dúvida frequente nos consultórios: pacientes com diabetes podem operar catarata com segurança? A resposta é sim, mas o procedimento exige atenção especial antes, durante e após a cirurgia.
A seguir, explicamos tudo o que você precisa saber sobre o tema.
O que é diabetes?
O diabetes mellitus é uma doença metabólica crônica caracterizada pela elevação dos níveis de glicose (açúcar) no sangue. Isso ocorre por deficiência na produção de insulina ou por resistência à sua ação. Existem dois tipos principais: o tipo 1, geralmente diagnosticado na infância ou adolescência, e o tipo 2, mais comum em adultos.
A hiperglicemia crônica decorrente do diabetes provoca alterações em diversos tecidos do corpo — incluindo os olhos. Essas alterações não afetam apenas a retina (como na retinopatia diabética), mas também o cristalino, favorecendo o desenvolvimento precoce de catarata .
Quem tem diabetes tem mais catarata?
Sim. Estudos mostram que indivíduos com diabetes têm de 2 a 5 vezes mais chances de desenvolver catarata do que a população não diabética. Esse risco é ainda maior em pessoas com diabetes tipo 1 e em pacientes com mau controle glicêmico .
A incidência também é mais precoce. Em média, os diabéticos desenvolvem catarata 10 a 20 anos antes do que pessoas sem a doença . Além disso, há tipos específicos de catarata associados ao diabetes, como a catarata em “flocos de neve” (snowflake cataract), que pode surgir subitamente em pacientes jovens com diabetes tipo 1 descompensado.
Qual o mecanismo de formação da catarata em pacientes com diabetes?
A principal via bioquímica envolvida na formação da catarata diabética é a ativação do chamado ciclo do sorbitol ou via do polióis. Nesse processo, o excesso de glicose é convertido em sorbitol pela enzima aldose redutase. O sorbitol, por sua vez, acumula-se dentro das células do cristalino, provocando estresse osmótico, inflamação, apoptose celular e opacificação das fibras do cristalino .
Além disso, a hiperglicemia crônica induz estresse oxidativo, glicação de proteínas do cristalino e reduz a atividade de enzimas antioxidantes como a superóxido dismutase, o que contribui ainda mais para a perda da transparência do cristalino .
Esses fatores explicam não apenas o maior risco de catarata, mas também a sua progressão mais rápida em pacientes com diabetes mal controlado.
Quais são os riscos de operar catarata em um paciente com diabetes?
Embora a cirurgia de catarata (facoemulsificação com implante de lente intraocular) seja segura e eficaz, pacientes diabéticos estão mais propensos a complicações.

Entre os principais riscos estão:
- Agravamento da retinopatia diabética — o trauma cirúrgico e a inflamação ocular podem acelerar lesões pré-existentes na retina ;
- Edema macular cistóide (CME) — acúmulo de líquido na mácula após a cirurgia, mais comum em diabéticos, mesmo sem retinopatia aparente ;
- Infecção (endoftalmite) — embora rara, é mais frequente em diabéticos, especialmente se houver ruptura da cápsula posterior ;
- Alterações na córnea — pacientes com diabetes podem ter cicatrização corneana mais lenta, olho seco e disfunção da bomba endotelial .
Essas complicações não impedem a cirurgia, mas tornam essencial uma avaliação oftalmológica criteriosa e um planejamento individualizado.
Leia também: Diabetes pode levar à cegueira?
Quais exames clínicos são necessários para saber se é seguro operar a catarata?
Antes da cirurgia, é fundamental realizar uma avaliação clínica completa, que inclui: exames laboratoriais — hemoglobina glicada (HbA1c) para avaliar o controle glicêmico; idealmente abaixo de 7% para minimizar riscos; medição da pressão arterial e avaliação da função renal; exame de fundo de olho com mapeamento de retina — para identificar sinais de retinopatia diabética ou edema macular; OCT (Tomografia de Coerência Óptica) — exame não invasivo para detectar edema macular oculto ; exame da córnea e da superfície ocular — para identificar riscos de complicações cicatriciais.
Se houver retinopatia ativa ou edema macular, o ideal é tratar essas condições antes da cirurgia, com laser ou injeções intraoculares de antiangiogênicos.
Quais complicações o paciente com diabetes pode ter no intra e no pós-operatório?
Pacientes com diabetes mellitus apresentam maior risco de complicações tanto durante quanto após a cirurgia de catarata. Isso ocorre devido a alterações estruturais e metabólicas induzidas pela hiperglicemia crônica, que afetam não apenas o cristalino, mas também a córnea, o endotélio, a retina, o humor vítreo e a função imunológica ocular.
Durante a cirurgia (intraoperatório), algumas complicações mais comuns incluem:
- Não dilatação da pupila: Pacientes diabéticos frequentemente apresentam pupilas menores e menos responsivas aos agentes midriáticos, o que pode dificultar o acesso ao cristalino e aumentar o risco de trauma cirúrgico. Essa condição exige uso de dispositivos como anéis expansores ou ganchos de íris para garantir boa visibilidade intraoperatória .
- Fragilidade capsular: A cápsula do cristalino nos diabéticos é mais espessa, mas paradoxalmente mais frágil, o que aumenta o risco de rupturas durante a capsulorrexe ou emulsificação do núcleo . Rupturas capsulares posteriores podem levar à perda vítrea, à necessidade de vitrectomia e aumentam significativamente o risco de endoftalmite .
- Alterações corneanas: O endotélio corneano de diabéticos apresenta menor densidade celular e morfologia alterada, o que pode levar a descompensação corneana intraoperatória se houver excesso de manipulação ou uso prolongado de ultrassom. Isso pode resultar em edema corneano no pós-operatório, prejudicando a recuperação visual .
No pós-operatório, os pacientes com diabetes têm risco aumentado para diversas condições, tais como:
- Edema macular cistóide (CME): É uma das complicações mais frequentes e debilitantes. Pode ocorrer mesmo na ausência de retinopatia diabética prévia. A inflamação induzida pela cirurgia aumenta a permeabilidade vascular na retina, levando ao acúmulo de fluido na mácula, responsável pela visão central nítida . Estudos mostram que até 50% dos olhos diabéticos podem apresentar sinais angiográficos de CME após a cirurgia, mesmo com boa técnica cirúrgica .
- Progressão da retinopatia diabética: A cirurgia de catarata é um fator de estresse inflamatório que pode acelerar a evolução de uma retinopatia pré-existente. A hiperglicemia agrava essa tendência, aumentando o risco de neovascularização, hemorragias vítreas e tração macular .
- Endoftalmite: Apesar de rara, essa infecção intraocular devastadora tem incidência ligeiramente maior em pacientes diabéticos, especialmente quando ocorre ruptura da cápsula posterior. O risco também é potencializado em casos com imunossupressão sistêmica e má cicatrização .
- Inflamação prolongada: Diabéticos tendem a ter uma resposta inflamatória exacerbada e mais duradoura. Isso pode levar a formação de membranas fibróticas na câmara anterior, sinequias e opacificação da cápsula posterior mais precoce .
- Problemas de cicatrização corneana: A superfície ocular em pacientes diabéticos geralmente apresenta disfunções como olho seco, erosões epiteliais recorrentes e epitélio fragilizado, o que compromete a reepitelização após a cirurgia. Isso aumenta o risco de infecções, desconforto ocular prolongado e visão borrada .
- Flutuações refracionais: Variações rápidas nos níveis de glicemia podem provocar alterações temporárias na refração ocular, como miopia ou hipermetropia transitórias, o que interfere na estabilidade visual após o implante da lente intraocular .
Essas complicações não são universais, mas sua incidência é suficientemente alta para justificar uma abordagem cuidadosa, criteriosa e personalizada na condução desses casos.
Leia também: Tratamento da retinopatia diabética
O que fazer para reduzir essas complicações?
A prevenção e o manejo eficaz das complicações intra e pós-operatórias em pacientes com diabetes devem começar muito antes da cirurgia, se estender durante o ato operatório e continuar com vigilância intensa no pós-operatório. Aqui estão as estratégias mais recomendadas, segundo a literatura especializada:
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Otimização do controle glicêmico e comorbidades sistêmicas:
Um bom controle da glicemia, com hemoglobina glicada (HbA1c) idealmente abaixo de 7%, reduz significativamente os riscos de complicações oculares e sistêmicas. Além disso, é importante tratar hipertensão arterial, dislipidemia, insuficiência renal e outras condições associadas, pois elas também influenciam negativamente a cicatrização e o prognóstico ocular .
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Avaliação oftalmológica minuciosa pré-operatória:
Isso inclui mapeamento de retina, OCT macular, tomografia de córnea e exame da câmara anterior. Em casos de retinopatia ativa ou edema macular, o tratamento prévio com laser panfotocoagulador ou injeções intravítreas de antiangiogênicos (como o bevacizumabe) pode estabilizar o quadro e reduzir as chances de complicações pós-operatórias .
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Escolha criteriosa da técnica cirúrgica e equipamentos especiais:
O cirurgião deve estar preparado para lidar com pupilas pequenas, cápsulas frágeis e córneas suscetíveis. O uso de viscoelásticos dispersivos, modulação do ultrassom e dispositivos de dilatação pupilar são recursos importantes para reduzir o trauma intraocular. É fundamental manter a câmara anterior estável, evitar manipulações desnecessárias e minimizar o tempo cirúrgico .
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Profilaxia rigorosa contra infecções:
A aplicação de antibióticos intracamerais ao final da cirurgia (como cefuroxima ou moxifloxacina) e o uso de colírios antibióticos no pós-operatório são fundamentais para prevenir endoftalmite, especialmente em pacientes diabéticos .
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Prevenção do edema macular com anti-inflamatórios:
A combinação de colírios anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e corticoides por via tópica reduz significativamente a inflamação e o risco de CME. Em casos de maior risco (retinopatia diabética prévia ou edema anterior), considera-se o uso de injeções intravítreas profiláticas de dexametasona ou anti-VEGF .
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Cuidados intensivos com a superfície ocular:
Tratar previamente olho seco, blefarite e outras disfunções da superfície ocular ajuda a evitar complicações corneanas. Recomenda-se o uso de lágrimas artificiais sem conservantes, higiene palpebral e, em alguns casos, plugs de oclusão de pontos lacrimais para preservar a umidade ocular .
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Acompanhamento rigoroso no pós-operatório:
Pacientes diabéticos devem ser revistos com maior frequência após a cirurgia — geralmente com consultas no 1º, 7º, 15º e 30º dias, e depois conforme a evolução. A realização de OCT seriada ajuda a detectar precocemente edemas maculares subclínicos e iniciar o tratamento antes da piora visual .
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Educação do paciente:
Orientar o paciente quanto à importância da adesão ao tratamento clínico, uso correto de colírios, controle glicêmico e comparecimento às consultas é essencial para um bom desfecho. Muitas complicações podem ser evitadas com colaboração ativa do próprio paciente.
Ao adotar essas condutas, o oftalmologista aumenta substancialmente as chances de uma recuperação visual plena, com riscos controlados. A cirurgia de catarata em diabéticos não é contraindicada — ela apenas exige um olhar mais atento, cuidadoso e individualizado.
Conclusão
Sim, pacientes com diabetes podem e devem operar catarata quando indicado, pois a cirurgia melhora significativamente a qualidade de vida. No entanto, é fundamental que essa decisão seja acompanhada de um plano individualizado, baseado em uma avaliação oftalmológica e clínica completa.
Quanto melhor for o controle da glicemia e a saúde ocular do paciente, maiores são as chances de um resultado visual excelente e com menor risco de complicações.
Leia também: Qual o melhor tipo de lente pra pacientes que tem doenças da retina?
Fontes:
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- Panozzo G, et al. Prevalence of diabetes and diabetic macular edema in patients undergoing senile cataract surgery. Eur J Ophthalmol, 2020.
Perguntas que recebemos de pacientes com catarata e diabetes:
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Doutor, eu tenho diabetes há muitos anos. Isso quer dizer que vou ter catarata mais cedo?
Sim, infelizmente o diabetes, especialmente quando está presente há muitos anos, aumenta bastante a chance de desenvolver catarata de forma precoce. A hiperglicemia crônica altera o metabolismo do cristalino, fazendo com que ele perca sua transparência mais rápido. Por isso, mesmo pessoas mais jovens com diabetes tipo 1 ou tipo 2 podem apresentar catarata antes do esperado.
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Tenho medo de fazer a cirurgia por causa do meu diabetes. É mais arriscado para mim?
É compreensível esse receio, mas a boa notícia é que, com os cuidados certos, a cirurgia de catarata pode ser feita com segurança em pacientes diabéticos. O mais importante é garantir que o controle da glicemia esteja adequado antes da operação, além de fazer uma avaliação detalhada da retina e da mácula. Se houver alterações como retinopatia ou edema, tratamos antes. Isso reduz bastante os riscos e melhora os resultados da cirurgia.
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Como saber se estou pronto para operar a catarata, mesmo sendo diabético?
O primeiro passo é fazer uma avaliação oftalmológica completa, com exame de fundo de olho, tomografia da mácula (OCT) e exames da córnea. Além disso, avaliamos sua hemoglobina glicada (HbA1c) e pressão arterial. Se tudo estiver dentro de níveis seguros, e você estiver com sintomas como visão embaçada, dificuldade para dirigir ou ler, então sim, você pode estar pronto para operar.
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Meu diabetes está um pouco descontrolado. Ainda assim posso fazer a cirurgia?
O ideal é que o diabetes esteja sob controle antes da cirurgia. Um nível alto de glicemia aumenta o risco de inflamações, infecções e até de piora da retinopatia no pós-operatório. Por isso, sempre orientamos que o paciente ajuste a dieta, medicações e, se necessário, seja acompanhado por um endocrinologista para estabilizar o quadro antes de operar.
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Vou precisar tomar mais remédios depois da cirurgia?
Sim, após a cirurgia é comum o uso de colírios antibióticos e anti-inflamatórios por algumas semanas para evitar infecção e controlar a inflamação. Em pacientes com diabetes, podemos estender o uso de colírios ou até indicar aplicações intravítreas de medicamentos, dependendo da condição da retina. Mas tudo é individualizado e explicado com calma.
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E se eu já tiver retinopatia diabética? Ainda posso operar?
Sim, pode. Mas nesse caso, a cirurgia exige mais cuidado e planejamento. Se a retinopatia for leve, a cirurgia pode ser feita com acompanhamento. Se for moderada ou grave, é provável que seja necessário tratar a retina antes, com laser ou medicamentos intravítreos. O importante é proteger sua visão como um todo, não apenas remover a catarata.
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O que pode dar errado na cirurgia por eu ser diabético?
As principais complicações possíveis são inflamação prolongada, edema macular (acúmulo de líquido na parte central da retina), progressão da retinopatia e, mais raramente, infecção intraocular. Mas com controle do diabetes, técnica cirúrgica adequada e acompanhamento rigoroso no pós-operatório, conseguimos prevenir a maioria desses problemas.
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Quanto tempo leva para a minha visão melhorar depois da cirurgia?
Na maioria dos casos, os primeiros dias já mostram melhora. Mas em diabéticos, pode demorar um pouco mais, especialmente se houver edema na mácula ou cicatrização mais lenta. Normalmente em 2 a 4 semanas já é possível ter uma ideia do resultado visual, e em 1 a 2 meses a recuperação costuma estar completa, salvo em casos com alterações na retina.
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Minha visão está ruim, mas tenho medo de perder o pouco que ainda enxergo se fizer a cirurgia. Isso pode acontecer?
Esse medo é compreensível, mas operar a catarata geralmente melhora a visão, desde que a retina esteja em boas condições. O risco de perda visual existe, mas é muito baixo se a cirurgia for bem indicada e realizada por um especialista, com o devido acompanhamento. Evitar a cirurgia, por outro lado, pode levar à piora progressiva da visão.
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O que posso fazer para ter o melhor resultado possível na cirurgia?
O principal é controlar bem seu diabetes e suas outras condições de saúde. Siga corretamente as orientações médicas antes e depois da cirurgia, use os colírios conforme prescrito e compareça a todas as consultas de acompanhamento. Além disso, informe qualquer sintoma diferente no pós-operatório, como dor, vermelhidão ou piora da visão. Com esse cuidado conjunto, as chances de um ótimo resultado são muito boas.