O ceratocone é uma doença progressiva da córnea caracterizada por afinamento e deformação em formato cônico, resultando em irregularidades ópticas que prejudicam a visão. Afetando principalmente adolescentes e adultos jovens, o ceratocone pode progredir rapidamente, levando à necessidade de transplante de córnea em casos avançados.

Nos últimos 25 anos, o crosslinking corneano (CXL) emergiu como o tratamento padrão para estabilizar o ceratocone progressivo. Trata-se de um procedimento minimamente invasivo que reforça as fibras de colágeno da córnea por meio da aplicação de riboflavina (vitamina B2) associada à luz ultravioleta-A (UV-A). Esse tratamento ajuda a interromper a progressão da doença, reduzindo a necessidade de cirurgias mais invasivas.
Histórico e Evolução do Crosslinking da Córnea
O conceito de crosslinking surgiu da observação de que pacientes diabéticos tinham menor incidência de ceratocone. Estudos revelaram que isso ocorria devido à glicação avançada das fibras de colágeno, que resultava em um tecido corneano mais rígido e resistente à deformação. Com base nessa descoberta, pesquisadores da Universidade de Dresden, Alemanha, desenvolveram o crosslinking corneano como um método terapêutico para reforçar a estrutura da córnea.
O primeiro protocolo clínico foi estabelecido em 2003, e o Protocolo de Dresden tornou-se o padrão-ouro do tratamento. Desde então, diversas variações da técnica foram desenvolvidas para otimizar seus resultados e reduzir desconforto e tempo de recuperação.
Principais Marcos da Evolução do Crosslinking
– 1996: Primeiras investigações científicas sobre crosslinking corneano.
– 2003: Publicação dos primeiros estudos clínicos, demonstrando eficácia do método.
– 2008: Expansão global da técnica, tornando-se o tratamento padrão para ceratocone progressivo.
– 2016: Aprovação do procedimento pela FDA (Food and Drug Administration) nos EUA.
– 2020 – Presente: Desenvolvimento de protocolos personalizados e aprimoramento de técnicas combinadas.
Indicações do Crosslinking
O CXL é indicado principalmente para pacientes com ceratocone progressivo, mas também pode ser utilizado para tratar outras doenças da córnea.
Critérios para a realização do crosslinking:
1.Ceratocone Progressivo – definido por aumento da curvatura corneana ou redução da acuidade visual ao longo do tempo.
2. Espessura corneana mínima de 400 µm – para evitar dano ao endotélio corneano.
3. Idade entre 10 e 40 anos – a progressão do ceratocone é mais rápida em jovens.
4. Ausência de cicatrizes corneanas avançadas – a presença de cicatrizes pode comprometer os resultados do tratamento.
Outras indicações do CXL
– Ectasia corneana pós-cirurgia refrativa
– Degeneração marginal pelúcida
– Infecções corneanas resistentes (ceratites ulcerativas)
Como é Feito o Procedimento?
Passo a passo do procedimento
- Aplicação de colírio anestésico
2. Remoção do epitélio corneano (exceto em TE-CXL) – A remoção do epitélio pode ser feita usando uma espátula que com atrito, remove o epitélio da córnea, porção mais superficial. Etapa que leva cerca de 1 minuto.
3. Instilação de riboflavina por 20 a 30 minutos – Instila-se um colírio com riboflavina.
4. Exposição à luz UV-A por 10 a 30 minutos
5. Colocação de lente de contato terapêutica
6. Uso de colírios antibióticos e anti-inflamatórios no pós-operatório

O que é a riboflavina?
A riboflavina, também conhecida comovitamina B2, é um composto essencial para várias funções metabólicas do organismo. No contexto do crosslinking corneano (CXL), a riboflavina desempenha um papel fundamental como fotossensibilizador.
Função da Riboflavina no Crosslinking
No procedimento de CXL, a riboflavina é aplicada na córnea antes da exposição à luz ultravioleta-A (UV-A). Sua principal função é absorver a radiação UV e induzir a formação de ligações covalentes entre as fibras de colágeno. Esse processo fortalece a estrutura corneana, tornando-a mais rígida e resistente à deformação causada pelo ceratocone.
Propriedades Importantes da Riboflavina
- Absorção de luz UV-A – Atua como um filtro para proteger estruturas internas do olho, como o endotélio corneano e o cristalino, reduzindo o risco de danos.
2. Produção de espécies reativas de oxigênio (ROS)** – Gera radicais livres que promovem o fortalecimento químico da córnea.
3. Penetração na córnea – A riboflavina deve estar presente no estroma corneano para que o crosslinking ocorra de maneira eficaz. Por isso, em alguns casos, é necessário remover o epitélio para melhorar sua absorção.
Tipos de Soluções de Riboflavina Utilizadas no CXL
– Riboflavina com dextrana: Utilizada no protocolo tradicional (Protocolo de Dresden).
– Riboflavina hipo-osmolar: Indicada para córneas muito finas (menos de 400 µm).
– Riboflavina transepitelial: Formulada para penetrar na córnea sem necessidade de remover o epitélio, geralmente combinada com agentes químicos que aumentam a permeabilidade.
Recuperação do Crosslinking
A recuperação inicial ocorre entre 3 e 5 dias, enquanto os efeitos do crosslinking são observados ao longo de **3 a 6 meses**.
A imagem abaixo mostra a incrível mudança da rigidez da córnea após o tratamento com Crosslinking. Na primeira imagem córnea tratada fica bem mais estável e se mantem firme. Já na imagem da esquerda (não tratada) ela fica muito mais elástica e frouxa.

Fonte: Kohlhaas M, Spoerl E, Schilde T, Unger G, Wittig C, Pillunat LE. Biomechanical evidence of the distribution of cross-links in corneas treated with riboflavin and ultraviolet A light. J Cataract Refract Surg. 2006 Feb;32(2):279-83. doi: 10.1016/j.jcrs.2005.12.092. PMID: 16565005.
Conclusão
O crosslinking corneano revolucionou o tratamento do ceratocone progressivo, tornando-se a abordagem padrão para impedir sua progressão. Com técnicas cada vez mais avançadas e personalizadas, a tendência é que esse procedimento continue evoluindo, oferecendo mais segurança, conforto e eficácia para os pacientes.
Fontes
– Raiskup, F. et al. Crosslinking with UV-A and riboflavin in progressive keratoconus: From laboratory to clinical practice – Developments over 25 years. Progress in Retinal and Eye Research 102 (2024).
– Papachristoforou, N. et al. A Review of Keratoconus Cross-Linking Treatment Methods. J. Clin. Med. 2025, 14, 1702.
Perguntas de Pacientes sobre Crosslinking
Pergunta 1:
Tenho 22 anos e fui diagnosticado com ceratocone há seis meses. Meu oftalmologista recomendou o crosslinking porque minha visão tem piorado rapidamente. Esse procedimento realmente pode parar a progressão da doença? Vou recuperar minha visão normal?
Resposta do Dr. Aron:
O crosslinking é a única opção comprovada para interromper a progressão do ceratocone, tornando a córnea mais resistente ao afinamento. Embora o objetivo principal do procedimento seja estabilizar a doença, ele não recupera a visão normal. No entanto, em muitos casos, há uma pequena melhora na acuidade visual, especialmente se houver uma redução na curvatura da córnea após o tratamento. Após o procedimento, o uso de óculos ou lentes de contato pode ser necessário para obter a melhor correção visual possível.
Pergunta 2:
Tenho 35 anos e meu ceratocone está estável há alguns anos. Meu oftalmologista sugeriu crosslinking preventivo, mas não tenho sintomas graves. Vale a pena fazer o procedimento mesmo sem progressão evidente?
Resposta do Dr. Aron:
O crosslinking é indicado principalmente para casos progressivos, ou seja, quando há piora da visão e aumento da curvatura da córnea ao longo do tempo. Se o seu ceratocone está estável há anos e não apresenta sinais de progressão, não há necessidade imediata do procedimento. Entretanto, se houver suspeita de evolução lenta, exames como topografia e tomografia da córnea podem ajudar a avaliar a necessidade do tratamento.
Pergunta 3:
Tenho ceratocone e minha córnea tem 390 micrômetros de espessura. Meu médico disse que talvez eu não possa fazer o crosslinking. Existem alternativas seguras para casos como o meu?
Resposta do Dr. Aron:
Sim, quando a córnea tem menos de 400 micrômetros, o procedimento tradicional pode ser arriscado, pois a radiação UV-A pode danificar o endotélio corneano. Porém, existem alternativas como:
✔ Crosslinking com riboflavina hipo-osmolar, que ajuda a aumentar temporariamente a espessura da córnea antes da aplicação da luz UV.
✔ Crosslinking transepitelial (epi-on), que mantém o epitélio intacto e reduz o risco de danos profundos.
✔ Lentes esclerais e anéis intracorneanos, que podem ajudar a melhorar a visão sem necessidade de crosslinking.
O mais importante é uma avaliação detalhada para escolher a abordagem mais segura para o seu caso.
Pergunta 4:
Fiz o crosslinking há duas semanas e ainda sinto minha visão um pouco embaçada, principalmente à noite. Isso é normal? Quanto tempo leva para a visão estabilizar?
Resposta do Dr. Aron:
Sim, é absolutamente normal. Após o crosslinking, a visão pode permanecer embaçada por algumas semanas ou até meses. Isso ocorre porque a córnea leva tempo para se recuperar e se reorganizar estruturalmente. Além disso, a regeneração do epitélio pode causar variações na qualidade visual, especialmente à noite.
Normalmente, a visão começa a melhorar entre 4 e 12 semanas, mas o resultado final do procedimento pode ser avaliado apenas após 3 a 6 meses. Durante esse período, é essencial seguir as orientações do oftalmologista e comparecer às consultas de acompanhamento.
Pergunta 5:
Ouvi falar que existem diferentes tipos de crosslinking, como acelerado e transepitelial. Qual é o melhor para tratar o ceratocone?
Resposta do Dr. Aron:
O Protocolo de Dresden (crosslinking padrão) ainda é considerado a abordagem mais eficaz, pois oferece os melhores resultados em termos de fortalecimento da córnea. No entanto, há variações da técnica que podem ser indicadas dependendo do caso:
✔ Crosslinking Acelerado (A-CXL): reduz o tempo de exposição à luz UV, tornando o procedimento mais rápido. Indicado para casos selecionados, mas pode ser um pouco menos eficaz que o método tradicional.
✔ Crosslinking Transepitelial (TE-CXL): não remove o epitélio, reduzindo desconforto e tempo de recuperação. Porém, pode ser menos eficaz na penetração da riboflavina.
✔ Crosslinking Personalizado: técnicas mais recentes que combinam o CXL com outros procedimentos, como laser excimer.
A escolha depende do grau do ceratocone, espessura da córnea e progressão da doença. O oftalmologista pode recomendar o melhor método com base em exames detalhados.
Dr. Aron Guimarães é médico oftalmologista especialista pela USP/SP e com mestrado e doutorado pela UNICAMP.