Catarata na Síndrome de Down. O que muda? Como é o diagnóstico e tratamento?
Pacientes com Síndrome de Down tem catarata com maior frequência e mais precocemente, podendo ocorrer desde o nascimento até a vida adulta. O diagnóstico precoce é fundamental, pois muitos pacientes têm dificuldade em expressar os sintomas visuais. A cirurgia é segura e eficaz, mas requer cuidados especiais, como anestesia geral e atenção a comorbidades sistêmicas e oculares.
Mesmo com desafios no cálculo da lente intraocular e maior risco de complicações, os resultados visuais são positivos. O acompanhamento oftalmológico regular é essencial para preservar a visão e a qualidade de vida desses pacientes.
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O que é a catarata?
A catarata é uma doença ocular que cursa com a opacificação (borramento) progressiva do cristalino, a lente natural do olho. Essa opacificação impede que a luz chegue de forma adequada à retina, prejudicando a visão. Os sintomas mais comuns incluem visão embaçada, sensibilidade à luz, dificuldade para enxergar à noite e percepção de halos ao redor das luzes.
Embora esteja frequentemente associada ao envelhecimento, a catarata também pode surgir de forma precoce por causas genéticas, metabólicas, traumáticas ou como parte de síndromes congênitas, como é o caso da Síndrome de Down.
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O que é a Síndrome de Down?
A Síndrome de Down, ou trissomia do cromossomo 21, é uma condição genética causada pela presença de um cromossomo 21 extra. Essa alteração afeta o desenvolvimento físico e cognitivo dos indivíduos, podendo resultar em características faciais típicas, atraso no desenvolvimento e maior incidência de condições médicas associadas.
Entre as diversas manifestações clínicas, as alterações oculares são extremamente comuns, acometendo cerca de 80% dos pacientes. Entre elas estão: erros refracionais, estrabismo, nistagmo, ceratocone, e a própria catarata, que pode se manifestar de forma congênita ou adquirida precocemente.
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Pacientes com Síndrome de Down têm catarata mais precoce? Como saber que esse paciente está com catarata?
Sim. Estudos demonstram que a prevalência de catarata em pacientes com Síndrome de Down é significativamente maior do que na população geral da mesma faixa etária. Segundo pesquisa publicada no British Journal of Ophthalmology, aproximadamente 1,4% dos indivíduos com Down desenvolvem catarata ainda na infância, sendo que cerca de um terço desses casos são detectados na fase neonatal.
Na vida adulta, a prevalência também é elevada. Um estudo com pacientes entre 28 e 83 anos encontrou uma taxa de 16,2% de catarata, com aumento progressivo em faixas etárias mais avançadas. Os fatores fisiopatológicos prováveis incluem o estresse oxidativo exacerbado devido à superexpressão da enzima superóxido dismutase (SOD1), presente no cromossomo 21, que favorece a formação de radicais livres e a opacificação do cristalino.
O desafio maior é o reconhecimento dos sintomas. Como muitos pacientes com Down têm dificuldades de comunicação, é essencial que haja um acompanhamento oftalmológico regular, com avaliações precoces e frequentes para detectar alterações visuais de forma proativa. Os sinais indiretos incluem maior dificuldade para realizar tarefas visuais, tropeços frequentes, recusa a ambientes com muita luz ou comportamentos que sugerem baixa acuidade visual.
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Como é o tratamento da catarata nesses pacientes? Quais cuidados especiais? O que muda para um paciente que não tem Down?
O tratamento é cirúrgico, com remoção do cristalino opaco e implante de lente intraocular (LIO). No entanto, pacientes com Síndrome de Down requerem planejamento cirúrgico especial devido a diversos fatores:
- Anestesia geral: É a preferida, dada a dificuldade de cooperação em muitos casos.
- Comorbidades sistêmicas: Hipotireoidismo, doença cardíaca congênita e distúrbios respiratórios são frequentes e devem ser avaliados previamente.
- Doenças oculares associadas: Ceratocone, estrabismo, glaucoma e nistagmo podem afetar os resultados visuais e o planejamento da lente intraocular.
- Difícil biometria: O exame para calcular o grau da LIO pode ser impreciso devido à dificuldade de cooperação e alterações anatômicas.
Apesar dessas dificuldades, estudos demonstram que a cirurgia é segura e eficaz. A maioria dos pacientes apresenta melhora significativa da acuidade visual. Em casos bilaterais, é comum a realização da cirurgia de forma sequencial imediata para reduzir o risco anestésico.
As complicações mais frequentes incluem opacificação da cápsula posterior (24,2%) e ruptura capsular posterior (5,5%). Por isso, o acompanhamento pós-operatório deve ser cuidadoso e adaptado às necessidades do paciente.
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Conclusão
A catarata em pacientes com Síndrome de Down é uma condição comum e potencialmente tratável. O reconhecimento precoce, aliado a um acompanhamento oftalmológico regular, pode prevenir a perda visual irreversível e melhorar substancialmente a qualidade de vida desses indivíduos.
Pais e cuidadores devem ser orientados a realizar exames oftalmológicos desde os primeiros meses de vida e a manter consultas regulares durante toda a vida. O tratamento cirúrgico, embora mais desafiador, tem resultados positivos e é uma intervenção fundamental para promover a inclusão, autonomia e bem-estar dos pacientes com Síndrome de Down.
Dr. Aron Guimarães é médico oftalmologista especialista pela USP/SP e com mestrado e doutorado pela UNICAMP.
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Perguntas de pacientes:
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Paula, 32 anos, mãe do Lucas (4 anos, com Síndrome de Down):
“Notei que os olhos do Lucas parecem meio esbranquiçados quando bate luz. Isso pode ser catarata?”
Resposta: Sim, a aparência esbranquiçada nos olhos pode indicar catarata congênita ou precoce. Em crianças com Síndrome de Down, esse tipo de catarata é mais comum do que na população geral. É fundamental levá-lo ao oftalmologista pediátrico o quanto antes para avaliação com lâmpada de fenda e possível indicação de exames complementares.
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Marcelo, 45 anos, pai do Vitor (16 anos, com Síndrome de Down):
“O Vitor tem tropeçado muito ultimamente. Pode ser problema de visão?”
Resposta: Pode sim. Em adolescentes com Síndrome de Down, alterações visuais, incluindo catarata, ceratocone ou erro refrativo, são frequentes. Tropeços, desorientação e recusa de ambientes muito iluminados são sinais indiretos de perda visual e devem ser investigados com urgência.
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Sandra, 60 anos, tia e cuidadora da Ana (35 anos):
“Minha sobrinha Ana tem Síndrome de Down e foi diagnosticada com catarata. A cirurgia é segura para ela?”
Resposta: Sim, a cirurgia de catarata é segura em pacientes com Síndrome de Down, desde que haja preparo pré-operatório adequado. Avaliação clínica completa, anestesia geral e cuidado no pós-operatório são essenciais para um bom prognóstico.
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Jorge, 37 anos, pai do Caio (10 meses, com Down):
“O pediatra comentou de um exame oftalmológico, mesmo sem sintomas. É necessário tão cedo?”
Resposta: Sim, é recomendável que todos os bebês com Síndrome de Down passem por avaliação oftalmológica até os 6 meses de idade, mesmo sem sintomas. Isso permite identificar precocemente condições como catarata, nistagmo, estrabismo ou erros de refração.
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Denise, 41 anos, mãe do Renan (6 anos):
“O Renan fez cirurgia de catarata, mas o médico falou que pode voltar a ‘embaçar’. Isso é normal?”
Resposta: Sim, a opacificação da cápsula posterior (secundária) pode ocorrer após a cirurgia de catarata, especialmente em crianças. Em geral, é tratada com laser YAG de forma rápida e indolor.
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Rodrigo, 29 anos, irmão do Davi (22 anos, com Down):
“O Davi está mais desatento e relutante em sair de casa. Pode estar enxergando mal?”
Resposta: É possível. Alterações comportamentais podem indicar perda visual em pessoas com Síndrome de Down. Uma avaliação oftalmológica completa é recomendada para verificar se há catarata ou outra condição ocular.
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Camila, 33 anos, mãe da Helena (2 anos):
“A oftalmo disse que a Helena tem catarata cerúlea. Isso precisa de cirurgia?”
Resposta: Nem sempre. A catarata cerúlea é um tipo leve que pode não impactar a visão inicialmente. A decisão por cirurgia depende do grau de opacidade e do comprometimento visual. Acompanhar com avaliações periódicas é essencial.
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Felipe, 49 anos, pai do Guilherme (18 anos):
“Guilherme tem Down e ceratocone. Isso muda algo na cirurgia de catarata?”
Resposta: Sim, o ceratocone altera a curvatura da córnea, o que dificulta o cálculo da lente intraocular. Isso pode impactar o resultado refracional da cirurgia. Uma equipe experiente deve ajustar o plano cirúrgico considerando essa comorbidade.
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Rosana, 38 anos, mãe da Sofia (8 anos):
“Existe alguma vitamina ou suplemento que ajude a evitar a catarata?”
Resposta: Alguns estudos sugerem que antioxidantes como vitamina C e E podem proteger o cristalino contra o estresse oxidativo, especialmente em pessoas com Síndrome de Down. No entanto, isso deve ser discutido com o pediatra antes de iniciar qualquer suplementação.
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Luciano, 55 anos, tio do Rafael (30 anos):
“O Rafael fez cirurgia, mas não fala se enxerga melhor. Como saber se deu certo?”
Resposta: Muitos pacientes com Down têm dificuldades de comunicação. A melhora pode ser percebida por mudanças no comportamento: mais atenção, menos tropeços, interesse em interagir visualmente. Avaliações pós-operatórias ajudam a medir a acuidade visual mesmo sem resposta verbal.
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Juliana, 40 anos, mãe do Pedro (5 anos):
“Pedro tem estrabismo e Down. Isso tem a ver com catarata?”
Resposta: Pode estar relacionado. A catarata pode causar ou agravar o estrabismo por dificultar a fixação visual. Também é comum que ambas as condições coexistam na Síndrome de Down. Avaliação detalhada por oftalmopediatra é essencial.
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Antônio, 65 anos, avô da Laura (12 anos):
“A Laura não deixa ninguém chegar perto dos olhos. Como fazer os exames?”
Resposta: O ideal é buscar clínicas com equipe treinada em pacientes com necessidades especiais. Em alguns casos, pode ser necessário sedação leve ou mesmo exames sob anestesia para uma avaliação precisa.
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Bianca, 36 anos, mãe da Isadora (3 anos):
“A Isadora tem catarata e o médico quer operar os dois olhos no mesmo dia. Isso é seguro?”
Resposta: Sim, a cirurgia bilateral imediata pode ser indicada em alguns casos, especialmente quando há risco anestésico. Estudos mostram bons resultados e menor impacto emocional para a criança e os pais.
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Fernando, 43 anos, pai do Luiz (21 anos):
“O Luiz tem Down e sempre usou óculos. Agora disseram que só cirurgia resolve. Por quê?”
Resposta: Quando a catarata é densa, os óculos não corrigem a perda de visão. Nesses casos, somente a remoção cirúrgica do cristalino opaco permite a recuperação visual.
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Marta, 50 anos, cuidadora do Henrique (40 anos, com Síndrome de Down e diabetes):
“O Henrique vai operar catarata. O diabetes complica?”
Resposta: Sim, o diabetes exige controle rigoroso antes e depois da cirurgia. Pode haver maior risco de edema macular, inflamação ou dificuldade de cicatrização. A equipe médica deve acompanhar de perto.
Fontes:
- HAARGAARD, B.; FLEDELIUS, H. C. Down’s syndrome and early cataract. British Journal of Ophthalmology, [S. l.], v. 90, n. 9, p. 1024–1027, 2006. Disponível em: https://bjo.bmj.com/content/90/9/1024.
- PURI, B. K.; SINGH, I. Prevalence of cataract in adult Down’s syndrome patients aged 28 to 83 years. Clinical Practice and Epidemiology in Mental Health, [S. l.], v. 3, n. 26, 2007. Disponível em: http://www.cpementalhealth.com/content/3/1/26.
- LI, E. Y. et al. Cataract surgery outcomes in adult patients with Down’s syndrome. British Journal of Ophthalmology, [S. l.], v. 98, p. 1273–1276, 2014. Disponível em: https://bjo.bmj.com/content/98/9/1273.
- ESCRIBANO LOPEZ, P. et al. Immediate sequential bilateral cataract surgery in adults with Down’s syndrome. International Ophthalmology, [S. l.], v. 42, p. 2997–3004, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10792-022-02285-7.