Buraco Macular: Tratamento e Cirurgia
1. O que é o buraco macular
O buraco macular é uma condição ocular que afeta a mácula, a parte central da retina responsável pela visão de detalhes e pela nitidez da imagem. Ele se caracteriza por uma abertura ou defeito de espessura total na retina central, que compromete diretamente a visão central do paciente. O termo técnico mais usado para descrevê-lo é buraco macular de espessura total (FTMH – Full-Thickness Macular Hole).
Os buracos maculares podem ser classificados como idiopáticos (sem causa conhecida), traumáticos ou secundários a outras doenças retinianas. Os idiopáticos, os mais comuns, geralmente afetam pessoas acima dos 60 anos, e têm predileção pelo sexo feminino. Eles podem ocorrer em apenas um olho ou, em cerca de 10% a 20% dos casos, afetar ambos os olhos.
O desenvolvimento do buraco está fortemente associado às forças tracionais exercidas pelo vítreo — o gel que preenche o interior do olho — sobre a retina. O processo costuma começar com a separação do vítreo da superfície da mácula, o que provoca estresse mecânico. Isso pode levar à formação de um pequeno defeito, que pode progredir para um buraco de espessura total se não for tratado.
2. Fatores de risco para o buraco macular
Diversos fatores aumentam a probabilidade de formação de um buraco macular:
- Idade avançada: mais comum em indivíduos acima dos 60 anos.
- Sexo feminino: mulheres são mais acometidas do que homens.
- Alta miopia: olhos com grau elevado de miopia têm maior risco.
- Histórico de trauma ocular: impactos diretos no olho podem causar ruptura macular.
- Cirurgias oculares anteriores: principalmente cirurgia de catarata.
- Doenças retinianas associadas: como membrana epirretiniana, tração vítreo-macular, entre outras.
Além disso, há evidências que sugerem que fatores inflamatórios e alterações bioquímicas no humor vítreo podem influenciar o surgimento do buraco, principalmente através da disfunção das células de Müller, responsáveis por sustentar a estrutura da retina.
3. Sintomas do buraco macular
Os sintomas mais comuns são relacionados à perda da visão central:
- Visão borrada: especialmente ao tentar ler ou ver rostos.
- Metamorfopsia: distorção das imagens, com linhas retas parecendo curvas.
- Escotoma central: uma mancha escura ou área de ausência de visão no centro do campo visual.
- Dificuldade para leitura e reconhecimento de detalhes.
A evolução pode ser lenta ou rápida, dependendo do tamanho do buraco e da progressão do descolamento das bordas da mácula. A visão periférica, entretanto, permanece preservada, o que pode confundir o paciente nos estágios iniciais.
4. Quando se deve operar?
A decisão de operar depende de fatores como o tamanho do buraco, a acuidade visual inicial e a duração dos sintomas. Estudos indicam que o tempo entre o surgimento dos sintomas e a realização da cirurgia é crucial para o sucesso anatômico e funcional. Quanto mais cedo a cirurgia é realizada, maior a chance de fechamento do buraco e de melhora da visão.
A cirurgia está indicada nos seguintes casos:
- Buracos de espessura total com sintomas visuais.
- Acuidade visual reduzida (geralmente pior que 20/50).
- Falta de evidências de fechamento espontâneo em casos pequenos após observação inicial com OCT.
Nos buracos pequenos (<250 µm), há possibilidade de fechamento espontâneo. Nestes casos, a conduta pode ser observar com OCT seriado por até 3 meses, caso o paciente não apresente piora.
5. Como funciona a cirurgia?
A cirurgia para tratamento do buraco macular é tecnicamente refinada e exige habilidade do cirurgião vitreorretiniano. É feita por meio da técnica de vitrectomia pars plana, com a introdução de instrumentos de 23, 25 ou 27 gauges através de pequenas incisões na esclera (parte branca do olho). O procedimento é geralmente ambulatorial, realizado sob anestesia local com sedação, e dura de 30 a 90 minutos, dependendo da complexidade do caso.
A seguir, os passos principais são detalhados:
- Vitrectomia: a remoção do humor vítreo é essencial para eliminar as trações mecânicas que contribuíram para a formação do buraco. Isso também permite o acesso à mácula e a manipulação segura da retina.
- Peeling da membrana limitante interna (ILM): utilizando corantes especiais como azul brilhante G, azul tripan ou verde de indocianina, o cirurgião identifica e remove cuidadosamente a ILM. Essa etapa é fundamental para aliviar a tração residual, reduzir a chance de recidiva e promover a regeneração da retina ao estimular a migração de células gliais.
- Técnicas avançadas de flap: para buracos grandes ou persistentes, a técnica do flap invertido tem se mostrado extremamente eficaz. O cirurgião cria um retalho da ILM e o posiciona sobre ou dentro do buraco. Essa técnica atua como uma matriz para a proliferação de células de Müller, auxiliando na cicatrização e promovendo um fechamento mais eficaz. Alternativas incluem a técnica de flap livre, o uso de cápsula do cristalino ou até membrana amniótica como enxerto.
- Tamponamento com gás intraocular: após o procedimento, injeta-se um gás expansível (SF6 ou C3F8) no vítreo para pressionar a mácula. Esse gás atua como um curativo biológico interno, favorecendo o fechamento do buraco pela aproximação das bordas da retina. A escolha do tipo de gás depende do tamanho do buraco, da anatomia do olho e da preferência do cirurgião.
- Selamento e conclusão: ao final da cirurgia, as cânulas são retiradas e as pequenas incisões geralmente se fecham espontaneamente. Em alguns casos, pode ser necessário realizar uma associação com cirurgia de catarata ou utilizar óleo de silicone em situações especiais, como olhos míopes extremos ou buracos recorrentes.
O índice de sucesso anatômico da cirurgia é superior a 90%, especialmente quando o buraco é operado precocemente. A recuperação visual varia: quanto mais recente o buraco e melhor a acuidade visual inicial, maior a chance de recuperação funcional.
6. Pós-operatório
O pós-operatório é determinante para o sucesso da cirurgia. O acompanhamento rigoroso e o cumprimento das orientações médicas fazem toda a diferença. O aspecto mais discutido e que causa mais dúvidas nos pacientes é o posicionamento face para baixo.
Posicionamento (face-down): A recomendação clássica é manter a cabeça voltada para baixo por um período entre 3 e 7 dias, com variações dependendo do tipo de gás utilizado e da técnica cirúrgica. Esse posicionamento assegura que a bolha de gás permaneça em contato com a mácula, promovendo a aproximação das bordas do buraco e otimizando a cicatrização.
Entretanto, estudos recentes — incluindo uma revisão Cochrane — apontam que em buracos menores que 400 µm, a exigência de posicionamento rigoroso pode ser flexibilizada, especialmente com o uso de técnicas modernas como o peeling completo da ILM e gás de longa duração.
Desafios do posicionamento: Muitos pacientes relatam dificuldade em manter a posição, principalmente idosos com doenças osteomusculares. Para isso, há recursos como travesseiros adaptados, mesas com apoio para o rosto, ou poltronas especiais que ajudam a manter o conforto sem comprometer os resultados.
Orientações adicionais do pós-operatório:
- Evitar viagens de avião ou lugares de altitude elevada enquanto o gás estiver presente (geralmente de 2 a 8 semanas), devido ao risco de expansão da bolha e aumento súbito da pressão intraocular.
- Uso rigoroso dos colírios prescritos: antibióticos, corticoides e anti-inflamatórios, conforme a prescrição.
- Evitar esforço físico intenso, inclinar-se ou dormir de barriga para cima nas primeiras semanas.
- Retorno às atividades: em geral, atividades leves podem ser retomadas após alguns dias, mas o retorno completo ao trabalho e direção de veículos depende da recuperação da visão e reabsorção do gás.
- Acompanhamento com OCT: a tomografia de coerência óptica é usada para confirmar o fechamento do buraco e monitorar a recuperação anatômica e funcional.
Complicações possíveis: Apesar de rara, a cirurgia pode ter complicações como:
- Desenvolvimento acelerado de catarata em olhos fácicos
- Aumento da pressão intraocular
- Infecção intraocular (endoftalmite)
- Hemorragia retiniana ou coroideana
- Descolamento de retina (baixo risco, mas possível)
Recuperação visual: A melhora da visão é gradual. Em muitos casos, os pacientes percebem ganho visual significativo nas primeiras 6 a 8 semanas. Entretanto, a recuperação total pode se estender por até 6 meses, dependendo da idade, tempo de evolução do buraco e do grau de regeneração das camadas retinianas profundas (em especial a zona elipsóide).
Fontes:
1. Mansour AM et al. (2023)
Idiopathic Macular Hole: Algorithm for Nonsurgical Closure Based on Literature Review
Journal of Ophthalmic & Vision Research, Vol. 18(4), 2023, pp. 424–432.
2. Cundy O et al. (2023)
Face-down positioning or posturing after macular hole surgery
Cochrane Database of Systematic Reviews, Issue 11, 2023.
3. Murphy DC et al. (2023)
The Effect of Macular Hole Duration on Surgical Outcomes: An Individual Participant Data Study of Randomized Controlled Trials
Ophthalmology, Volume 130, Issue 2, 2023, Pages 152-163.
4. Premi E et al. (2022)
Macular Holes: Main Clinical Presentations, Diagnosis, and Therapies
Journal of Ophthalmology, 2022.
Abaixo trago perguntas de pacientes sobre buraco macular:
1. Doutor, eu tenho um buraco macular no olho direito… tem risco de acontecer no outro olho também?
Sim, existe esse risco, embora não seja regra. Cerca de 10% a 20% dos pacientes podem desenvolver buraco macular também no outro olho. Por isso, mesmo após a cirurgia, é importante continuar acompanhando regularmente com exames de OCT para monitorar o outro olho, especialmente se houver alterações iniciais no vítreo ou sintomas visuais leves.
2. Minha visão está muito embaçada e distorcida… se eu operar, tem chance de voltar ao normal?
A cirurgia tem altas chances de fechar o buraco e melhorar bastante a visão, mas é importante ter expectativas realistas. A visão raramente volta a ser 100% como antes, especialmente se o buraco já estiver há muito tempo. Ainda assim, a maioria dos pacientes relata melhora significativa da qualidade de vida, voltando a ler, dirigir e fazer suas atividades com mais conforto.
3. Eu trabalho no computador… depois da cirurgia, vou poder voltar ao trabalho rápido?
Depende do tipo de cirurgia e da sua recuperação. Em geral, atividades leves como computador podem ser retomadas entre 1 a 2 semanas, especialmente se a visão permitir e você conseguir manter os cuidados com a cabeça. Mas se o trabalho exige esforço visual intenso ou ficar muitas horas sentado, é melhor planejar um repouso de pelo menos duas semanas.
4. Estou preocupada com essa posição virada pra baixo… e se eu não conseguir ficar assim o dia todo?
Essa é uma dúvida muito comum e totalmente compreensível. Hoje em dia, nem todos os casos precisam de posicionamento rigoroso. Em buracos menores, muitas vezes flexibilizamos a orientação. Quando necessário, usamos travesseiros especiais ou adaptadores para ajudar. E se for realmente impossível manter, não se preocupe: existem alternativas, e o cirurgião ajusta a conduta conforme sua realidade.
5. Tenho medo de perder a visão… e se a cirurgia não der certo?
Ficar com medo é natural, mas felizmente, a taxa de sucesso da cirurgia é muito alta — em torno de 90% a 95%. E mesmo nos raros casos em que o buraco não fecha na primeira cirurgia, existe a possibilidade de reoperar com técnicas mais avançadas. O mais importante é fazer o acompanhamento correto e seguir as orientações com calma. Você estará em boas mãos.
6. Um conhecido operou buraco macular e ficou com a visão embaçada… isso pode acontecer comigo também?
Pode acontecer, sim. Cada caso é único, e o resultado depende de fatores como tempo de evolução do buraco, tamanho da lesão e se as camadas mais profundas da retina foram preservadas. Mas com as técnicas modernas e se a cirurgia for feita no tempo certo, as chances de uma boa recuperação visual são muito boas. Quanto antes tratar, melhores as perspectivas.
7. Eu sou muito míope… isso aumenta meu risco de complicações na cirurgia?
Pessoas com alta miopia têm sim um risco um pouco maior de complicações, como descolamento de retina, porque o olho é mais alongado e a retina, mais fina. Mas os cirurgiões já estão acostumados com esses cuidados e tomam precauções extras nesses casos. O importante é fazer a cirurgia com um profissional experiente e seguir bem as orientações do pós-operatório.
8. Doutor, se eu operar agora e o buraco fechar, ele pode abrir de novo no futuro?
É raro, mas pode acontecer. A chance de recidiva é baixa, principalmente se a ILM for retirada durante a cirurgia, o que reduz a tração sobre a mácula. Mas se acontecer, geralmente ainda há tempo para uma nova cirurgia com ótimos resultados. Por isso o acompanhamento contínuo é essencial.
9. Depois da cirurgia, vou enxergar o suficiente para dirigir?
Isso vai depender de como estava sua visão antes da cirurgia e de como o olho responde à recuperação. Muitos pacientes conseguem retomar a direção com segurança após algumas semanas ou meses. Se o buraco for tratado precocemente e a visão central for preservada, as chances são boas de voltar a dirigir.
10. Tem algo que eu possa fazer para evitar que o buraco piore até a cirurgia?
Infelizmente, não há muito o que se possa fazer em casa para impedir a progressão. O mais importante é evitar atrasos na cirurgia, seguir as orientações médicas e manter hábitos saudáveis para os olhos. Evitar esfregar os olhos, manter os exames em dia e não perder os retornos são atitudes que ajudam bastante.
Dr. Aron Guimarães é médico oftalmologista especialista pela USP/SP e com mestrado e doutorado pela UNICAMP.
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