Coçar ou esfregar os olhos causa ceratocone?
Sim. Coçar ou esfregar os olhos repetidamente pode causar danos mecânicos na córnea, levando ao afinamento progressivo e deformação típica do ceratocone. Estudos científicos mostram que esse hábito aumenta em até seis vezes o risco de desenvolver a doença. A fricção estimula a liberação de enzimas inflamatórias e compromete as células responsáveis pela integridade da córnea. Por isso, evitar coçar os olhos é uma das medidas mais importantes para prevenir ou impedir a piora do ceratocone.
-
O que é o ceratocone?
O ceratocone é uma doença ocular progressiva que afeta a estrutura da córnea — a camada transparente na parte frontal do olho responsável por focar a luz. Nessa condição, a córnea perde sua forma naturalmente arredondada e começa a afinar e se projetar para frente, adquirindo um formato de cone. Essa deformação compromete a visão, gerando distorções visuais, sensibilidade à luz, aumento do astigmatismo e, nos casos mais avançados, pode até exigir transplante de córnea.
A doença costuma se manifestar na adolescência ou no início da vida adulta, e evolui lentamente ao longo dos anos. Embora o ceratocone geralmente afete os dois olhos, a progressão e a gravidade podem ser diferentes entre eles. O diagnóstico precoce e o acompanhamento oftalmológico regular são fundamentais para controlar a progressão e preservar a qualidade visual do paciente.
Sintomas mais comuns do ceratocone:
- Visão embaçada, mesmo com uso de óculos;
- Aumento progressivo do astigmatismo;
- Dificuldade para enxergar à noite;
- Sensibilidade à luz (fotofobia);
- Percepção de imagens duplicadas ou fantasmas;
- Necessidade frequente de trocar o grau dos óculos;
- Halo ao redor de luzes, principalmente à noite.
Imagem: Paciente com ceratocone coçando os olhos
Em muitos casos, o ceratocone começa de forma silenciosa, sem sintomas evidentes, e só é identificado em exames oftalmológicos de rotina.
-
É verdade que coçar os olhos pode causar ou piorar o ceratocone? Por que isso acontece?
Sim, diversos estudos científicos comprovam que coçar os olhos com frequência e vigor é um dos fatores mais fortemente associados ao surgimento e agravamento do ceratocone. Embora a doença tenha origem multifatorial, o hábito de coçar os olhos está presente em uma parcela significativa dos pacientes diagnosticados. Em uma revisão sistemática com metanálise, o risco de desenvolver ceratocone foi 6,46 vezes maior entre pessoas que relataram o hábito de coçar os olhos regularmente .
Como o ato de coçar os olhos afeta a córnea?
- Aumento da pressão intraocular: Durante o ato de esfregar os olhos, a pressão dentro do olho pode aumentar até 150 mmHg — muito acima dos níveis normais. Essa pressão temporária e repetida afeta diretamente a estrutura da córnea .
- Liberação de enzimas inflamatórias: A fricção estimula a liberação de interleucinas e metaloproteinases, enzimas que degradam a matriz extracelular e contribuem para a fragilidade e afinamento da córnea .
- Lesão nos queratócitos: Essas células, que formam parte da estrutura da córnea, sofrem alterações devido ao trauma mecânico. A morte ou mudança de função dessas células pode prejudicar a regeneração corneana e favorecer a progressão do ceratocone .
- Afinamento do epitélio corneano: O ato de coçar afina temporariamente a camada mais superficial da córnea, deixando-a mais frágil e suscetível a lesões cumulativas .
Esses mecanismos combinados enfraquecem a estrutura corneana ao longo do tempo, favorecendo a deformação característica do ceratocone.
Quem tem mais risco de coçar os olhos?
Pacientes com alergias oculares (conjuntivite alérgica), dermatite atópica, rinite e outras condições que provocam coceira constante são os mais vulneráveis. Em muitos desses casos, o ceratocone é agravado por episódios repetidos e intensos de coceira. Estudos apontam que até 80% dos pacientes com ceratocone relatam coçar os olhos frequentemente, sendo o prurido ocular a principal razão .
-
Quais as outras causas do ceratocone?
Embora o atrito ocular seja o fator ambiental mais implicado na progressão da doença, o ceratocone não é causado por um único fator. Ele é considerado uma doença multifatorial, envolvendo predisposição genética, fatores ambientais e possíveis alterações bioquímicas.
- Ter histórico familiar de ceratocone aumenta significativamente o risco. Estudos com gêmeos idênticos mostram alta taxa de concordância, e alterações genéticas específicas já foram identificadas em algumas famílias .
Fatores ambientais e comportamentais:
- Exposição excessiva à radiação ultravioleta (regiões ensolaradas);
- Uso inadequado de lentes de contato;
- Atividades que provocam trauma repetitivo no olho;
- Presença de doenças alérgicas e atópicas.
Doenças associadas ao ceratocone:
- Síndrome de Down;
- Síndrome de Ehlers-Danlos;
- Leber congênita;
- Dermatite atópica.
A interação entre os fatores genéticos e ambientais parece seguir a chamada “hipótese do duplo impacto”: o paciente nasce com uma predisposição genética, e a exposição a fatores como o atrito ocular desencadeia ou acelera o quadro.
Leia também: Melhor dieta para quem tem ceratocone
-
Como é feito o diagnóstico do ceratocone?
O diagnóstico é feito por um oftalmologista, por meio de exames clínicos e complementares, especialmente os que analisam a curvatura e a espessura da córnea. Entre os principais métodos estão:
- Topografia corneana: avalia a curvatura da córnea e detecta irregularidades sutis antes mesmo do surgimento de sintomas;
- Tomografia de córnea (Pentacam): fornece imagens em 3D da estrutura corneana, analisando espessura, curvatura anterior e posterior;
- Pachimetria: mede a espessura da córnea;
- Exame com lâmpada de fenda: permite visualizar sinais como estrias de Vogt, anéis de Fleischer e cicatrizes corneanas.
O diagnóstico precoce é essencial para evitar que a doença avance e cause danos irreversíveis à visão.
-
Quais são os tratamentos para o ceratocone?
O tratamento depende do estágio da doença e visa preservar a visão e retardar a progressão do afinamento corneano.
Nos estágios iniciais:
- Óculos ou lentes de contato gelatinosas: corrigem a visão enquanto a deformidade ainda é discreta.
Estágios intermediários:
- Lentes rígidas gás-permeáveis: proporcionam melhor qualidade visual ao criar uma nova superfície regular sobre a córnea irregular;
- Lentes esclerais ou híbridas: indicadas quando as lentes rígidas não oferecem conforto ou boa adaptação.
Para interromper a progressão:
- Crosslinking da córnea: procedimento que fortalece as fibras de colágeno corneanas utilizando riboflavina (vitamina B2) e luz ultravioleta. É o único tratamento capaz de estabilizar a progressão da doença.
Casos avançados:
- Anéis intracorneanos (ex. anel de Ferrara): pequenas estruturas inseridas na córnea para melhorar seu formato;
- Transplante de córnea (ceratoplastia): reservado para casos com opacidades ou afinamento extremo.
-
Como prevenir o ceratocone?
A prevenção é baseada no controle dos fatores de risco, especialmente os comportamentais.
Dicas importantes:
- Evite coçar os olhos: use compressas geladas, colírios lubrificantes ou antialérgicos prescritos;
- Trate alergias oculares e respiratórias: controle a rinite, conjuntivite e outras condições que provocam prurido;
- Use óculos escuros com proteção UV: reduzem o risco de exposição solar excessiva;
- Evite lentes de contato mal adaptadas ou uso prolongado sem supervisão médica;
- Faça exames oftalmológicos regulares, principalmente se houver histórico familiar de ceratocone.
-
Conclusão
A relação entre coçar os olhos e ceratocone é clara e bem estabelecida pela literatura científica. Embora o ceratocone tenha origem multifatorial, o atrito ocular crônico se destaca como fator modificável e de alto impacto no desenvolvimento da doença. O ato de coçar os olhos, aparentemente inofensivo, pode desencadear alterações profundas e permanentes na estrutura da córnea.
Se você ou alguém próximo apresenta sintomas como visão embaçada, sensibilidade à luz ou troca frequente de óculos, procure um oftalmologista. A informação correta é o primeiro passo para a prevenção.
Lembre-se: olhos não foram feitos para serem coçados. Cuide deles com carinho.
Dr. Aron Guimarães é médico oftalmologista especialista pela USP/SP e com mestrado e doutorado pela UNICAMP.
Saiba mais em aronguimaraes.com.br
Perguntas sobre o tema:
- É verdade que só o fato de coçar os olhos pode causar ceratocone, mesmo em pessoas que não têm histórico familiar da doença? Sim, é verdade. Coçar os olhos com frequência e força é um fator de risco independente para o desenvolvimento do ceratocone, mesmo sem predisposição genética.
- Tenho muita alergia ocular e coço os olhos o tempo todo. Isso significa que eu vou desenvolver ceratocone no futuro? Não necessariamente, mas o risco é alto. Quem tem alergia ocular deve tratar a coceira com colírios e evitar o atrito para não lesionar a córnea.
- Por que coçar os olhos causa deformações na córnea? Isso acontece só pelo aumento da pressão ao esfregar? Não é apenas pela pressão. A fricção libera enzimas inflamatórias, afina a córnea, altera as células e compromete sua estrutura, favorecendo a deformação em forma de cone.
- Existe uma forma segura de coçar os olhos sem causar ceratocone? Não. O ideal é evitar completamente o atrito. Em vez de coçar, use colírios lubrificantes ou antialérgicos para aliviar os sintomas de forma segura.
- Quem tem ceratocone pode piorar o quadro se continuar coçando os olhos depois do diagnóstico? Sim, com certeza. Coçar os olhos após o diagnóstico pode acelerar a progressão da doença, aumentando a deformidade da córnea e piorando a visão.
- O ceratocone tem cura ou só conseguimos controlar o avanço da doença? Atualmente não há cura definitiva, mas é possível estabilizar o avanço com tratamentos como o crosslinking, além de medidas preventivas como evitar coçar os olhos.
- Quais são os primeiros sinais de que posso estar desenvolvendo ceratocone? Visão embaçada persistente, aumento frequente do grau, sensibilidade à luz e distorções visuais são sintomas iniciais que devem ser investigados com exames específicos.
- Lentes de contato podem causar ou agravar o ceratocone em quem coça muito os olhos? Sim. Lentes mal adaptadas ou combinadas com o hábito de coçar os olhos aumentam o risco de lesões e aceleram a progressão do ceratocone.
- Se eu coçar só levemente, com a ponta dos dedos, ainda existe risco de desenvolver ceratocone? Mesmo coceiras leves, se repetidas com frequência, podem gerar microtraumas acumulativos na córnea. Por isso, o melhor é evitar qualquer tipo de atrito.
- O uso de colírios pode prevenir o ceratocone em pessoas que coçam muito os olhos por causa de alergias? Sim. Colírios antialérgicos e lubrificantes reduzem a coceira, diminuindo o impulso de coçar e, consequentemente, protegendo a integridade da córnea.
- O ceratocone pode aparecer de forma repentina ou ele sempre se desenvolve aos poucos? O ceratocone se desenvolve de forma gradual, mas em alguns casos o paciente só percebe os sintomas quando a doença já está em estágio moderado ou avançado.
- Crianças que coçam muito os olhos têm mais risco de desenvolver ceratocone precocemente? Sim, especialmente se houver histórico familiar ou doenças alérgicas. Por isso, é importante controlar alergias e orientar as crianças a não coçar os olhos.
- Existe alguma técnica que fortalece a córnea para quem já tem ceratocone em estágio inicial? Sim. O crosslinking é um procedimento que fortalece as fibras de colágeno da córnea, impedindo ou retardando a progressão da doença.
- A cirurgia de ceratocone é indicada para qualquer pessoa que tenha a doença? Não. A cirurgia, como o transplante de córnea, só é indicada em estágios muito avançados, quando outras opções de tratamento não oferecem mais resultados satisfatórios.
- Coçar os olhos ao acordar é mais prejudicial do que em outros momentos do dia? Sim. Ao acordar, a córnea pode estar mais sensível e levemente edemaciada, o que a torna ainda mais vulnerável ao dano causado pelo atrito.
- Um histórico de ceratocone na família significa que todos os parentes terão a doença? Não. A genética influencia, mas não determina. Pessoas com histórico familiar devem fazer exames regulares e evitar fatores de risco, como coçar os olhos.
- É possível diagnosticar o ceratocone antes dos sintomas aparecerem? Sim. Exames como topografia e tomografia corneana detectam alterações precoces, mesmo em pessoas assintomáticas, o que permite iniciar o acompanhamento preventivo.
- Dormir com o rosto pressionado contra o travesseiro pode ter o mesmo efeito de coçar os olhos? Sim. A pressão constante sobre os olhos durante o sono pode gerar deformações semelhantes às causadas por coçar, principalmente em quem dorme de bruços.
- Existe alguma forma de reverter a deformação da córnea causada pelo ceratocone? Não há como reverter completamente, mas tratamentos como anéis intracorneanos, lentes especiais e transplante podem melhorar significativamente a visão e o formato da córnea.
- O ceratocone pode causar cegueira total se não for tratado? Embora não cause cegueira completa na maioria dos casos, o ceratocone pode comprometer gravemente a visão, a ponto de impedir a leitura, a direção e outras atividades básicas.
Referências:
- McMONNIES, Charles W. Mechanisms of rubbing-related corneal trauma in keratoconus. Cornea, v. 28, n. 6, p. 607–615, 2009.
- KORDI, Essam S. et al. Awareness About Keratoconus and Its Relation With Eye Rubbing: A Cross-Sectional Study in Medina. Cureus, v. 14, n. 11, e32030, 2022.
- NAJMI, Hatim et al. The correlation between keratoconus and eye rubbing: a review. International Journal of Ophthalmology, v. 12, n. 11, p. 1775–1781, 2019. 4. SAHEBJADA, Srujana et al. Eye rubbing in the aetiology of keratoconus: a systematic review and meta-analysis. Graefe’s Archive for Clinical and Experimental Ophthalmology, 2021.
Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00417-021-05081-8