Cirurgia Refrativa no Paciente HIV Positivo: É Segura?
A cirurgia refrativa, como o LASIK e o PRK, é cada vez mais procurada por pessoas que desejam se livrar dos óculos ou lentes de contato. Mas e quando o paciente vive com HIV? Essa é uma dúvida legítima, especialmente em uma era em que a medicina evoluiu e a expectativa de vida de pessoas HIV positivas é quase a mesma da população geral. Este texto esclarece, com base em evidências científicas recentes e artigos publicados em revistas médicas de referência, se esses pacientes podem se submeter ao procedimento com segurança — e quais os cuidados adicionais necessários.
O texto começa explicando o que é a cirurgia refrativa, suas indicações e os critérios básicos para que um paciente seja considerado apto ao procedimento. Em seguida, entra no tema central: a segurança da cirurgia em indivíduos HIV positivos. Estudos mostram que, quando o paciente está com carga viral controlada e boa contagem de CD4, o risco de complicações é comparável ao de pacientes sem HIV. A técnica LASIK se destaca como a mais segura, sendo preferida em relação ao PRK, que apresentou maiores índices de ceratite e úlceras em alguns casos.
Além disso, o texto aborda de forma detalhada os cuidados necessários no pré-operatório, intraoperatório e pós-operatório. Destacam-se recomendações como a realização da cirurgia no final do dia, uso de luvas duplas pela equipe médica, avaliação rigorosa da superfície ocular e adesão plena ao tratamento antirretroviral. Também é enfatizada a importância da avaliação da presença de olho seco e de possíveis infecções oportunistas, mais prevalentes nesse grupo.
O texto inclui 10 perguntas frequentes feitas por pacientes HIV positivos em consulta, com respostas detalhadas e humanizadas. Elas abordam temas como segurança, técnicas cirúrgicas mais adequadas, risco de transmissão, interferência na imunidade e necessidade de acompanhamento especial após a cirurgia.
Esse conteúdo é essencial não apenas para pacientes HIV positivos interessados na cirurgia refrativa, mas também para profissionais da saúde que desejam se atualizar e oferecer uma conduta baseada em evidências e empatia. A leitura completa permite entender, com profundidade e clareza, que o HIV não é mais uma barreira intransponível para o acesso à correção visual por meio de cirurgia — desde que sejam tomados os devidos cuidados.
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O que é a cirurgia refrativa e quando ela é indicada?
A cirurgia refrativa é um procedimento oftalmológico que tem como objetivo corrigir erros de refração como miopia, hipermetropia, astigmatismo e presbiopia, reduzindo ou eliminando a dependência de óculos ou lentes de contato. Os tipos mais comuns são LASIK (ceratomileusis in situ assistida por laser), PRK (ceratectomia fotorrefrativa) e, mais raramente, outras técnicas como a implantação de anel intracorneano ou cirurgia com lente fáquica.
A indicação depende de uma avaliação rigorosa, que inclui a estabilidade do grau por pelo menos um ano, ausência de doenças oculares ativas, espessura corneana adequada e expectativa realista quanto aos resultados. Além disso, fatores sistêmicos também são considerados, especialmente doenças autoimunes ou imunossupressoras como é o caso da infecção por HIV.
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Pacientes HIV positivo podem fazer a cirurgia refrativa com segurança?
Historicamente, a infecção pelo HIV era considerada uma contraindicação absoluta para procedimentos eletivos como a cirurgia refrativa, principalmente devido ao receio de complicações infecciosas e cicatrização anormal. Contudo, com os avanços na terapia antirretroviral (TARV), os pacientes HIV positivos têm hoje uma expectativa de vida significativamente maior e com melhor qualidade, o que os torna candidatos potenciais a esse tipo de cirurgia.
Um estudo conduzido com coorte de militares norte-americanos HIV positivos mostrou que a taxa geral de complicações após a cirurgia refrativa foi baixa, com apenas 7,6% dos pacientes apresentando algum tipo de intercorrência, como ceratite ou úlceras corneanas. As complicações ocorreram majoritariamente após PRK, e não houve complicações após LASIK. Além disso, nenhum dos pacientes com complicações tinha contagem de CD4 abaixo de 200 células/µL, sugerindo que pacientes com boa imunidade podem ser operados com risco semelhante ao da população geral.
Outro estudo mostrou que 50% dos cirurgiões refrativos entrevistados consideram o HIV positivo como uma condição aceitável para a cirurgia, e cerca de 13% estendem essa aceitação para pacientes com AIDS diagnosticada. Contudo, muitos recomendam precauções adicionais como cirurgia unilateral, uso de luvas duplas, agendamento para o final do dia e evacuação do plume do laser.
É importante lembrar que, apesar de o HIV não ser mais uma contraindicação absoluta, a decisão final depende de fatores como adesão ao tratamento, carga viral, presença de infecções oportunistas e histórico de complicações oculares.
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Quais seriam os cuidados durante e após a cirurgia refrativa para esses pacientes?
O paciente HIV positivo precisa passar por uma avaliação médica minuciosa antes da cirurgia. Devem ser solicitados exames laboratoriais recentes, principalmente a contagem de linfócitos CD4 e carga viral. Idealmente, o paciente deve estar em uso regular de TARV, com carga viral indetectável e contagem de CD4 acima de 200 células/µL.
Durante a cirurgia, recomenda-se que o paciente seja operado por último no dia, como forma de minimizar qualquer risco de contaminação cruzada. O uso de luvas duplas e proteção respiratória por parte da equipe também é uma prática adotada por muitos profissionais. A técnica LASIK é preferida em relação ao PRK, já que esta última está associada a maior risco de complicações como ceratite, especialmente em pacientes imunocomprometidos.
No pós-operatório, a adesão ao tratamento é fundamental. A baixa adesão ao TARV pode refletir também em baixa adesão ao uso de colírios e demais cuidados locais. Por isso, deve-se reforçar as orientações quanto à higiene, uso de medicação, evitar contato com superfícies contaminadas e comparecimento às consultas de revisão.
Outro ponto importante é o acompanhamento para detecção precoce de complicações como ceratites infecciosas, que tendem a ser mais severas em pacientes HIV positivos.
Segundo estudo publicado no Ocular Immunology and Inflammation, essas ceratites podem ser causadas por vírus (como herpes zoster e simplex), bactérias (inclusive resistentes), fungos e protozoários como Acanthamoeba. A apresentação clínica pode ser atípica, com inflamação discreta e progressão silenciosa.
Em casos de ceratoconjuntivite seca, também comum nessa população, deve-se instituir lubrificação intensa e cuidados com a superfície ocular. Esses fatores contribuem para reduzir o risco de infecções pós-operatórias e aumentar a chance de sucesso do procedimento.
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Conclusão
A cirurgia refrativa é uma opção viável para pacientes HIV positivos, desde que observadas condições clínicas ideais como boa imunidade, adesão ao tratamento antirretroviral e ausência de doenças oportunistas ou alterações oculares ativas. O procedimento deve ser conduzido com cuidados adicionais, preferencialmente utilizando a técnica LASIK, e com monitoramento rigoroso no pós-operatório.
Mais do que uma questão técnica, operar pacientes HIV positivos com segurança e respeito é também um compromisso com a medicina baseada em evidências e na inclusão.
Dr. Aron Guimarães é médico oftalmologista especialista pela USP/SP e com mestrado e doutorado pela UNICAMP.
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Perguntas de pacientes sobre o tema:
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Sou HIV positivo e minha carga viral está indetectável há anos. Isso significa que posso fazer cirurgia refrativa com a mesma segurança que qualquer pessoa?
Sim, pacientes HIV positivos com carga viral indetectável e contagem de CD4 acima de 200 células/µL geralmente apresentam risco cirúrgico semelhante ao da população geral. Desde que estejam clinicamente estáveis e aderentes ao tratamento, podem ser bons candidatos à cirurgia refrativa, especialmente com técnica LASIK, que oferece menor risco de infecção comparada ao PRK.
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Tenho HIV há mais de 10 anos e nunca tive complicações oculares. Ainda assim preciso de alguma avaliação especial antes de fazer cirurgia refrativa?
Sim, mesmo sem histórico de complicações oculares, é necessário realizar uma avaliação oftalmológica completa e exames laboratoriais recentes, incluindo carga viral e contagem de CD4. Essa triagem garante que sua condição imunológica está adequada para a cicatrização e para a redução do risco de infecções pós-operatórias.
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A cirurgia refrativa pode piorar minha imunidade ou interferir na eficácia dos meus medicamentos antirretrovirais?
Não. A cirurgia refrativa não afeta diretamente a imunidade nem interfere na ação dos medicamentos antirretrovirais. O mais importante é manter o tratamento em dia e seguir as recomendações do oftalmologista e do infectologista durante o pré e o pós-operatório.
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Existe risco de transmitir HIV para os profissionais de saúde durante a cirurgia refrativa?
O risco de transmissão do HIV para os profissionais durante a cirurgia refrativa é extremamente baixo. Com o uso de precauções padrão, como luvas duplas e protocolos de biossegurança, esse risco é considerado praticamente inexistente segundo estudos clínicos e práticas médicas atuais.
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Há alguma técnica de cirurgia refrativa que seja mais segura para quem vive com HIV?
Sim. A técnica LASIK é considerada mais segura que o PRK para pacientes HIV positivos, pois preserva mais a superfície ocular, diminuindo o risco de ceratite e outras complicações infecciosas. No entanto, a escolha depende de diversos fatores, incluindo características da córnea e avaliação individual.
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Tenho ceratoconjuntivite seca devido ao HIV. Isso impede que eu faça a cirurgia refrativa?
A presença de olho seco pode ser um fator limitante, pois interfere na cicatrização e conforto pós-operatório. Porém, se a condição for controlada com tratamento adequado antes da cirurgia, é possível realizar o procedimento com segurança. Uma avaliação criteriosa da superfície ocular é essencial.
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O que pode acontecer se eu fizer a cirurgia refrativa com a imunidade muito baixa ou com carga viral elevada?
Fazer cirurgia com CD4 muito baixo ou carga viral alta aumenta significativamente o risco de infecções, má cicatrização e complicações como ceratite ou úlceras corneanas. Por isso, nesses casos, recomenda-se adiar o procedimento até que a saúde imunológica esteja melhor estabilizada.
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O fato de usar lentes de contato diariamente por muitos anos interfere na minha indicação para cirurgia refrativa sendo HIV positivo?
Sim, o uso prolongado de lentes de contato pode causar alterações na córnea, como hipoxias ou infecções subclínicas, que devem ser avaliadas antes da cirurgia. Em pacientes HIV positivos, qualquer comprometimento da superfície ocular deve ser tratado com mais atenção para garantir um resultado seguro e eficaz.
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A cirurgia refrativa pode causar alguma reativação do vírus HIV ou desencadear infecções oportunistas?
Não há evidências de que a cirurgia refrativa possa reativar o HIV ou causar infecções oportunistas em pacientes que estão com boa adesão ao tratamento e imunidade preservada. O procedimento é considerado seguro desde que realizado em condições clínicas ideais.
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Após a cirurgia, eu vou precisar de algum tipo de acompanhamento diferente por ser HIV positivo?
Sim. O acompanhamento pós-operatório deve ser mais rigoroso, com revisões frequentes para identificar precocemente sinais de infecção ou inflamação. A adesão ao tratamento ocular (colírios e lubrificantes) também deve ser reforçada, pois qualquer descuido pode elevar o risco de complicações em pacientes imunocomprometidos.
REFERÊNCIAS
- AREF, Ahmad A. et al. Refractive surgical practices in persons with human immunodeficiency virus positivity or acquired immune deficiency syndrome. Journal of Cataract & Refractive Surgery, v. 36, n. 1, p. 153–160, 2010. DOI: 10.1016/j.jcrs.2009.07.045.
- TISDALE, Carter S. et al. Refractive surgery in the HIV-positive U.S. Military Natural History Study Cohort: complications and risk factors. Journal of Cataract & Refractive Surgery, v. 45, n. 11, p. 1612–1618, 2019. DOI: 10.1016/j.jcrs.2019.06.017.
- RADHAKRISHNAN, Naveen et al. Corneal involvement in HIV-infected individuals. Ocular Immunology and Inflammation, 2021. DOI: 10.1080/09273948.2021.1887283.